Pedro M. Lourenço
Searas de Junho

A seara madura pintava a planície de um tom amarelado que de tão claro mais parecia uma fotografia queimada pela sobre-exposição à luz. As frágeis hastes da aveia formavam no solo um padrão que acompanhava nas suas suaves curvas os declives do terreno. O cereal aguardava já a passagem da grande máquina ceifeira que, com minúcia de aspirador, em alguns minutos transformaria toda aquela pintura num conjunto de enormes paralelepípedos de palha. Depois viria o tractor empilhar os fardos, que por fim seriam transportados em grandes camiões até estábulos onde o gado os aguardava gananciosamente.
O calor de Junho tinha já removido a água da planície e com ela tinha partido o verde que agora se encontrava confinado a meros rabiscos, linhas curvas e descurvas que na paisagem acompanhavam pequenos ribeiros, também eles reduzidos a conjuntos de pêgos despegados onde sobreviviam peixes e batráquios. Todo o labor da ceifa se desenrolava sob temperaturas impróprias ao conforto, quiçá à vida, por homens habituados a suportar o calor da planície com o desdém de quem aprendeu ao longo da vida a aceitar a severidade do clima com um estoicismo plácido. Não menos indiferentes ao calor pareciam as gralhas, que aguardavam o trabalho dos homens para em seguida vasculharem o restolho na esperança de ali encontrarem alimento. Corpos negros sobre um campo demasiado branco para ser amarelo. Perturbadas pela aproximação da ceifeira, as aves pretas levantaram voo, levando as suas pinceladas negras a fluir da seara amarelada para o céu azul celeste que cobria toda esta cena.